Estudos mostram que a doença aumenta cada vez mais entre as populações de menor renda. Distúrbios orgânicos e má alimentação são alguns dos fatores responsáveis
O desnutrido de hoje poderá ser o obeso de amanhã. É o que dizem especialistas. Eles garantem que obesidade não é só doença de rico. Famílias de baixo poder aquisitivo estão expostas ao problema, que também é de natureza social e pode ter relação com a desnutrição na infância. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no período de julho de 2002 a junho de 2003, com o apoio do Ministério da Saúde, em adultos acima dos 20 anos, 38,6 milhões de brasileiros estão acima do peso. Desses, 10 milhões são obesos.
Para a coordenadora da Política Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Maria de Fátima Carvalho, o estudo é muito importante e não pode ser interpretado equivocadamente. "A pesquisa publicou dados sobre a população adulta. Esses dados trazem tendências de médias nacionais que podem encobrir diferenças importantes de gênero, raça e estado fisiológico. Essas tendências precisam ser investigadas", afirma Maria de Fátima.
A coordenadora destaca estatísticas do estudo que mostram que as mulheres mais pobres, em idade fértil, têm maior prevalência de desnutrição e, portanto, podem gerar crianças de baixo peso, com maior risco de morrer no primeiro ano de vida. Segundo ela, esse quadro indica que a desnutrição continua a ser problema no Brasil. Junto a isso, informações de pesquisas anteriores ainda revelam prevalência alta de desnutrição crônica em crianças menores de cinco anos, resultado de exposições freqüentes à fome e às doenças infantis desde o nascimento.
A diminuição da desnutrição na idade adulta e o aumento do número de obesos é uma tendência no Brasil desde meados da década de 80 e caracteriza o que os especialistas chamam de transição nutricional. "Isso é conseqüência do aumento da expectativa de vida, associado às mudanças nos padrões tecnológicos, culturais e sociais e no estilo de vida, mas não significa que o país resolveu o problema da fome", ressalta Maria de Fátima. "Em um domicílio onde moram obesos podem existir crianças desnutridas. É necessário acabar com a concepção de que o problema da obesidade é da classe rica. Hoje ela é um problema de todas as classes sociais", reforça.
Na opinião de Maria de Fátima, a coexistência entre obesidade e insegurança alimentar e nutricional em uma mesma família desperta perguntas sobre a associação entre fome e excesso de peso. "Como explicar que indivíduos que não possuem dinheiro necessário para a alimentação podem apresentar excesso de peso?", questiona a coordenadora. Maria de Fátima lembra que em outros países estudos demonstraram essa relação e apontaram que entre as mulheres altas taxas de obesidade associam-se à desnutrição, à pobreza e ao baixo nível de escolaridade. "No Brasil ainda não temos estudos que expliquem com clareza esse paradoxo. Precisamos desses estudos para compreender essa situação e assegurar intervenções governamentais que incluam a prevenção e o declínio da obesidade".
A opinião de Maria de Fátima é compartilhada pelo coordenador do Comitê Permanente de Nutrição das Organizações das Nações Unidas (ONU) no Brasil, Flavio Valente. "Não podemos tratar a obesidade como um problema individual e sim como uma questão de preocupação pública", afirma. Valente também encara a pesquisa do IBGE como um alerta às conseqüências da fome. "A pesquisa não trouxe novidades positivas como muitos alardearam. Hoje cerca de 40% das mulheres em idade fértil sofrem de anemia" explica. Flávio Valente lembra que o combate à desnutrição infantil começa desde que a criança está na barriga da mãe. Por isso, as mulheres necessitam da atenção especial. Estudos científicos demonstram que a criança que sofre de desnutrição, desde o ventre até os dois anos, têm o seu metabolismo afetado. Essa disfunção faz com que no futuro essa criança tenha tendência a desenvolver a obesidade.
Obesidade: hábitos e custos - Além de distúrbios orgânicos, outros fatores apontados pela coordenadora da Política Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde podem explicar as tendências, como as mudanças no padrão alimentar e de no estilo de vida. Para famílias de baixo poder aquisitivo, o custo de compra de alimentos de baixa qualidade nutricional e elevada densidade energética - encontrados a preços mais acessíveis em supermercados, lanchonetes e bares - se torna a opção possível. Isso dificulta a aquisição de produtos mais saudáveis, como verduras, frutas, legumes e carnes magras, que têm custo relativamente mais alto. Com a falta de tempo, dinheiro e informação adequada, as pessoas trocam pratos saudáveis por refrigerantes ricos em açúcar, alimentos industrializados, sanduíches e salgados. "Hoje o consumo de açúcar do brasileiro é muito maior do que deveria. Assim também é o consumo de outros alimentos com alto teor de gorduras", alerta Maria de Fátima. Nesse caso, segundo a coordenadora da Política Nacional de Alimentação e Nutrição do ministério, ricos e pobres são afetados.
Vale sempre lembrar que ser obeso ou acima do peso significa a exposição a uma série de problemas de saúde. Pessoas obesas sobrecarregam a coluna e os membros inferiores. A longo prazo, elas tendem a apresentar degenerações (artroses) de articulações da coluna, quadril, joelhos e tornozelos. Os obesos também encontram-se mais vulneráveis a uma série de doenças ou distúrbios, como hipertensão, alguns tipos de câncer, diabetes e doenças cardiovasculares.
Verduras, legumes e frutas diminuem riscos
Verduras, legumes e frutas diminuem riscos
De acordo com Flávio Valente, da ONU, o fortalecimento de uma política que minimize o problema da obesidade passa por um trabalho de combate e prevenção à desnutrição infantil, pela educação alimentar, com o objetivo de trazer de volta ao cardápio dos brasileiros gêneros alimentícios mais saudáveis, como o feijão e o arroz, e pelo estímulo à prática de atividades físicas.
Para o coordenador do Comitê Permanente de Nutrição da ONU, programas de transferência de renda como o Bolsa Família, do Governo Federal, o fortalecimento da agricultura familiar e a regulamentação da distribuição de merendas são estratégias fundamentais para que se estimule uma mudança de hábitos e se combata a desnutrição. "Também precisamos de mais investimento no acompanhamento da gravidez das mulheres de camadas mais pobres da sociedade", explica.
Segundo a coordenadora da Política Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Maria de Fátima Carvalho, desde 1999 o governo vem dando enfoque maior à questão da alimentação e nutrição, e, nos últimos dois anos, tem discutido e promovido uma série de ações no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e entre os diversos setores do Poder Executivo.
Mais recentemente, esse trabalho vem buscando adequar diretrizes definidas junto à Organização Mundial de Saúde (OMS) e obedece a três eixos estratégicos de atuação. O primeiro é o incentivo ao consumo de verduras, legumes e frutas, como elemento da alimentação saudável, pois esses grupos de alimentos diminuem os riscos de se adquirir doenças crônicas não transmissíveis, entre elas a obesidade, se consumidos de forma regular e em quantidades adequadas. O segundo é utilizar a escola como espaço de promoção da alimentação saudável. O terceiro são ações regulatórias para a publicidade de alimentos infantis e para a comercialização de alimentos nas escolas.
Nesse sentido, o Ministério da Saúde já obteve sucesso com a Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre Rotulagem Nutricional Obrigatória. A resolução exige da indústria de alimentos que todas as informações nutricionais sejam impressas nas embalagens dos produtos colocados à venda, o que facilita a seleção de alimentos mais saudáveis.
O ministério também investe na obtenção de mais dados que possam otimizar os trabalhos. Está em curso a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de mulheres e crianças menores de 5 anos, que disponibilizará informações sobre o estado nutricional destes grupos populacionais. A pesquisa será fundamental para a prevenção e controle da desnutrição, da obesidade e da anemia por carência de ferro e de hipovitamonose A entre mulheres e crianças com menos de 5 anos.
Nos últimos dois anos, O Ministério da Saúde disponibiliza uma série de publicações para os profissionais de saúde sobre abordagem da alimentação saudável em todas as fases da vida. Entre elas destacam-se o Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos e o Guia Alimentar para População Brasileira Maior de 2 anos, que está em fase de consolidação. Os dois guias são instrumentos fundamentais para a promoção da alimentação saudável.
Fonte: http://portal.saude.gov.br/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=22433